Frankenstein em Tavira

Esboço de um projecto artístico

A. Motivação

A figura de "Frankenstein" é mormente conhecida através do género cinematográfico do "filme de terror", surgindo aí como monstro artificial em arremesso de pessoa humana, criatura de um médico desdenhoso da ciência estabelecida e ansioso por descobrir o segredo da vida. Na realidade é o médico que se chama Dr. Victor Frankenstein e a sua criatura permanece inominada, mas vulgarmente toma-se a criatura pelo criador e chama-se-lhe simplesmente "Frankenstein", o monstro.

Menos conhecido é o facto de se tratar de uma criação literária do início do século XIX, saída da imaginação de Mary Shelley aquando de uma estadia na Suíça, perto de Genebra, em companhia do marido, Percy Bisshe Shelley, onde encontraram Lord Byron. Os três e mais alguns convivas aproveitaram os dias chuvosos para conversas e discussões sobre tudo o que agitava as suas mentes. Também liam livros alemães de fantasmas, traduzidos para francês, e decidiram eles mesmos tentar a sua sorte numa história de pavor. Era uma época de mudança acelerada no domínio social e no domínio científico. Debatiam-se ideias anarquistas e socialistas, liam-se e discutiam-se os escritos de Darwin, falava-se sobre as experiências de Galvani, tentava-se encontrar a passagem para os pólos. A imaginação pujante da jovem Mary conseguiu amalgamar todos estes temas, daí resultando um romance que não mais deixou de inquietar a humanidade. Dos outros companheiros, nenhum conseguiu terminar a empresa.

O romance leva um subtítulo: "o moderno Prometeu". E, de facto, Prometeu é a figura mitológica grega, misto de deus menor, herói e ancestral, que roubou o fogo divino para o franquear aos mortais, com todas as consequências positivas e nefastas. É disso, afinal, que se trata no romance: a pesquisa da centelha vital, capaz de dar vida aos mortos, a contrapartida biológica da alquimia da pedra filosofal. É neste sentido que "Frankenstein", o monstro, se torna numa alegoria dos resultados da ciência moderna e Frankenstein, o médico, se torna, por seu lado, numa alegoria do desejo humano de transcender a própria condição humana, desejo esse presente desde a pré-histórica trepanação até à mais recente engenharia genética.

"Frankenstein", o monstro, por natureza afável e bondoso, ao ser abominado e escorraçado em virtude da sua aparência, vê os seus sentimentos e a sua energia repolarizados no sentido da maldade e da vingança. Mas como teria decorrido a história, se Frankenstein, o médico, tivesse tido meios para formar uma criatura esteticamente aceitável? Que vida teria levado essa criatura, se fosse aceita na sociedade humana? Quais seriam os seus problemas e que outros problemas teria a sociedade com essa criatura? A engenharia genética está a abrir a possibilidade de fazer criaturas à discrição, colocando-nos próximo de um mundo do tipo do "Brave New World" de Huxley, e oferece-nos, assim, o fulcro do projecto: Que novos "Frankensteins" vamos criar e que posição terão eles na nossa sociedade?

Se é certo que "Frankenstein", o monstro, no fim do livro prevê a sua morte, subindo "em triunfo para a pira" e exultando "na agonia das chamas torturantes", certo é também que, ao contrário do seu criador, ele não morre durante o romance. No fim, depois de um último encontro com Frankenstein, o médico, no camarote do navio de Robert Walton, o explorador das extensões árcticas, a criatura deixa o cadáver do seu criador e salta pela vigia para o bloco de gelo que flutuava ao lado do navio. "Em breve foi levado pelas ondas e perdeu-se na escuridão e na distância." Este fim aberto do romance dá-nos espaço para conjecturas: E se "Frankenstein", o monstro, não tivesse morrido? Que percurso teria levado a sua vida? Passaria ele por Tavira?

Ambos os parágrafos anteriores acabam com perguntas que marcam o contexto do presente projecto. O fulcro no qual se apoiarão os participantes é dado pela alegoria de um Frankenstein biface, cientista e monstro, transposto para a uma época, a nossa, em que começamos a explorar as potencialidades da engenharia genética. O espaço é Tavira, um local por onde passaram tantas sociedades com suas culturas pré-históricas e históricas, e onde, sobretudo no verão, se continuam a cruzar culturas de todos os sete cantos do mundo, aos quais, com Frankenstein, acrescentaremos mais um no verão de 2002. Previsto está um "acontecimento" com manifestações culturais a nível artístico (pintura, gravura, fotografia, teatro, cinema, música, vídeo) e científico (palestras e discussões).

B. Estruturação do acontecimento

Iniciativa:

·        Casa das Artes de Tavira (CAT)

 

Cronologia:

·        Projecção de filmes entre 29 de Julho e 17 de Agosto de 2002

·        Inauguração da exposição a 3 de Agosto de 2002

·        Monólogo de Frankenstein a 4 de Agosto de 2002

A       Teoria da Relatividade Restrita dos Sonhos e Frankentraum, pelo Prof. Albrt Eintraum a 5 de Agosto de 2002

·        Palestra e discussão científica a 10 de Agosto de 2002

 

Espaços onde se realizará a acção:

·        CAT

·        Lagar Museu

·        Espaço a designar pelo Cineclube de Tavira

·        Ruas, praças e jardins de Tavira

 

Cooperação com:

·        Cineclube de Tavira

·        Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE)

·        Escola de Biotecnologia, Porto

·        Lux72, Colónia

·        Schläifmillen, Luxemburgo

 

Filmes a projectar:

·        Frankenstein, James Whale / Boris Karloff (1931)

·        Mary Shelley's Frankenstein, Kenneth Branagh

·        Outros filmes de Frankenstein

·        The Time Machine (segundo H. G. Wells)

·        Há algo baseado no Brave New World de Huxley

·        Polaris (Andrej Wajda)

·        Metropolis, Fritz Lang

 

 Obras gráficas:

·        Roswitha Heiser (Colónia / St. Llorenç de Montgai) - pintura, desenho

·        Willi Hölzel (Lux72, Colónia) - fotografia

·        Renato Roque (Porto) - fotografia

·        Bartolomeu dos Santos (Londres / Sintra / Tavira) - gravura

·        Doris Sander (Schläifmillen, Luxemburgo / Tavira) - pintura, desenho

 

Contribuição científica (palestra e discussão):

·        Hugo Gil Ferreira

·        Alexandre Quintanilha (Escola de Biotecnologia, Porto)