Actividades deficitárias

Publicada originalmente numa rubrica que se intitula «Provocações», a minha crónica «Portugal não é um país de poetas» atingiu um de dois objectivos: provocou. O outro, a reflexão sobre aquilo que o texto verdadeiramente parodia, não passou.

Na sua crítica ao meu texto, o senhor Renato Roque, como outros que tiveram a amabilidade de me enviar um e-mail, enveredou por um caminho diferente daquilo que eu falava.

Seria mais fácil, mais agradável e politicamente correcto polemizar com um interlocutor com tendências fascizantes, defensor de paradigmas e elites culturais, mas lamento ter de os desiludir — esse que procuram não sou eu.

Antes de bradarem aqui d’el rei que querem calar o povo, permitam-me aclarar um pouco o leitmotiv da minha crónica (que argutamente a NON! quis publicar).

Então é assim (passe o mau gosto): a crónica apenas sugeria que muitos candidatos a autor não reflectem o suficiente sobre a qualidade da própria obra e, eles próprios e muitos dos que têm responsabilidades, não ponderam do interesse para o mundo da sua publicação. Não era, como gostariam, um apelo à censura — era uma crítica à falta de humildade, à falta de exigência que o cidadão tem consigo próprio, à leviandade com que todos se outorgam o dom da criatividade, à falta de espírito crítico de todos os que apenas aplaudem a saída de mais uma obra. Uma crítica ao uso de critérios que nada têm a ver com a criatividade (e uma sincera preocupação ecológica!). E, claro, como o senhor Roque percebeu, não falava do direito à opinião.

O resto da carta do senhor Roque não fala do meu texto. Ainda assim permito-me uma ou duas observações.

Não acho nada que «cada pessoa» seja «um poeta» ou «um artista». Tais citações não passam de mera e vazia retórica. Na diversidade de vocações e aptidões é que me parece residir o interesse, o maravilhoso deste mundo. Esta maneira de «democratizar as artes» apenas serve a ânsia de tudo igualar, de tudo nivelar (o mais das vezes por baixo, como interessa aos medíocres).

Ao contrário do senhor Roque, a maioria dos «patetas» que vejo «alheios da arte, da criação, da intervenção» não são os «patetas satisfeitos por se limitarem a bater palmas no fim do espectáculo, em vez de fazerem parte do elenco» ­— são aqueles que, por, precisamente, quererem estar nos palcos (sejam eles quais forem), não têm tempo para o resto. E o resto, assistir aos espectáculos, ler os livros, é que são actividades deficitárias...

Rui Ângelo Araújo