Já lá vai o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje já não se dedica a coisas que não possa abreviar.  

Walter Benjamin

O projecto ‘Corpos de Cidade’ integra imagens do fim da década de 90, de antigas e importantes unidades industriais fechadas, abandonadas, arruinadas, demolidas, todas situadas no Grande Porto, a maioria em Matosinhos, onde resido: as conserveiras Maria Elisabete, Prado e Boa Nova, a Conserveira Portuguesa, os Conserveiros Reunidos, a Sitenor, a Oliveira e Ferreirinha, a Real Vinícola, Dias Reis, os Produtos Estrela. A única excepção é constituída pelas imagens da amputação do edifício residencial “Passeio da Boavista” na Av. Da Boavista, no Porto.

Este projecto, que nasceu já há alguns anos, nunca pretendeu ser um trabalho documental sobre o Porto ou Matosinhos industriais, que estão a deixar de o ser.

‘Corpos de Cidade’ é sobretudo um projecto pessoal de procura, e de reencontro, na tranquilidade quase poética (patética?) daquelas pedras que parecem flutuar, como se de repente se tornassem menos densas que o ar, naqueles edifícios antes fechados e inacessíveis, mas onde ainda se adivinham, através dos muros e janelas trespassados, aprisionados em ferros retorcidos, os sons da vida, das máquinas, das gargalhadas e dos choros, das gentes que aí dedicaram quase toda a sua vida. Nesses espaços desertos quase fantasmas (fantásticos?), estranhamente, pude vislumbrar, mais do que uma tristeza, uma enorme tranquilidade, nessa passagem efémera e inelutável do presente para o passado que, através da fotografia, o presente quase consegue reter.

É na morte que alguns edifícios, tal como algumas pessoas, parecem aproximar-se mais da tranquilidade e quase roçar ao de leve a ilusão de eternidade.

 

Renato Roque