Depois de esclarecidos alguns mal-entendidos por email


Esclarecimento

Esclarecidas as partes obscuras dos nossos textos, não penso que seja muito importante continuar, até porque concordamos em quase tudo. A diferença talvez seja que eu ponho a ênfase no indivíduo e na sua responsabilidade individual. De qualquer modo, parece-me salutar que tenham sido publicadas as coisas que foram. Poderão ter posto alguém a reflectir sobre o assunto e suas nuances.

Onde penso haver alguma discordância, de novo, é na avaliação que fazemos do potencial dos indivíduos. Sinceramente não acredito na universal capacidade de criação. Nem penso que isso seja um mal. Pelo contrário.

Se alargarmos os conceitos de poetas e artistas a toda a actividade humana obviamente que as possibilidades aumentam, mas acho que mesmo assim importa diferenciar as coisas. E diferenciar não significa estabelecer escalas de valores do tipo bom/mau, ou seja, que um poeta é bom e um carpinteiro é mau, mas sim dizer que determinado poeta faz boa ou má poesia e determinado carpinteiro faz boas ou más cadeiras.

Assim a seco dizer que todos somos poetas cria falsas ideias em muita gente.

Por outro lado, perpetuar a ilusão que todos somos capazes de criar, ou que todos necessitamos criar, é uma tentativa de homogeneizar o que não é igual. Uma coisa é igualdade de direitos (que deve ser defendida acerrimamente em qualquer aspecto da existência) outra, bem diferente, é proclamar a igualdade de potencialidades, o que costuma conduzir à «mediocratização» das coisas.

Repare: escrever um mau poema pode ser compensador enquanto desabafo, treino para melhor dias, exercício de expressão, mas ler bons poemas certamente acrescentará mais alguma coisa ao indivíduo. Defendo mais a urgência, a necessidade, o bem social e pessoal que vem da leitura, do usufruto das artes, do que a necessidade de um mundo de criadores.

A leitura de um bom livro faz mais por mim, dá-me mais prazer, do que as milhares de páginas medíocres que possa escrever. E é isso que importa dizer, em minha opinião. Até porque não acredito em nenhum criador que não seja antes de tudo um bom utente das artes.

Se entender que esta parte da discussão tem interesse em tornar-se pública, teríamos que ordenar as ideias e dar-lhe melhor forma. Se o seu e-mail ficar particular, talvez eu o faça em nova crónica, mais tarde.

Até lá, um abraço do

Rui Ângelo Araújo.