Fotografias de Renato Roque

Ao mexer o braço toquei num objecto negro e duro, e demorei a perceber que se tratava da minha câmara fotográfica. Consegui movê-la até à frente do meu olho direito e, com esforço, desloquei a mão até ouvir o clic.
O Manuel, olhando também ele curioso na direcção da minha Nikon, perguntou:
- O que é isso que trazes agarrado a ti?
- É um aparelho para registar aquilo que vejo num determinado momento…como se lançasse âncoras no tempo, que fica assim aprisionado dentro dele.
O Manuel pareceu-me surpreendido.

- Um tempógrafo! - exclamou.

Passado todo este tempo a minha visão já se tinha adaptado a este novo mundo, e já conseguia distinguir sem dificuldade diversas espécies de seres e conseguia identificar aquilo a que o Manuel chamara casas. Eram manchas grandes de cor fixa com diversas aberturas. Continuava a ter alguma dificuldade em mover o visor da máquina até ao olho e em disparar.
- O que é esse clic que se ouve de vez em quando? - perguntou a determinada altura o Manuel.
- É o tempo a cair dentro da máquina - respondi.

Ouvia-se o ruído do mar, os guinchos das gaimanchas e, de vez em quando, os clics da minha máquina.

Entretanto o Manuel afastou-se com um grupo de amigos e eu observei os visitantes da exposição com mais atenção. As manchas pareciam associar-se por grupos. De um lado as berrantes, do outro as negras, e ainda de outro as brancas, as cinzentas e todas as outras. Eu, sozinho, fotografava. Clic, clic.

Abri os olhos. O gnomo que me tinha indicado a porta de entrada para o mundo paralelo olhava-me espantado. Ao meu lado a máquina fotográfica, carregada de tempo ancorado.

Em Renato no País das Manchinhas editado pela Salamandra